Comédia da vida privada (de tranquilidade)

Segunda-feira, 9 da manhã.


Lá fora, a mistura de "fog" com poluição deixa o tempo frio com aspecto de filme do John Carpenter.

Desço para ir ao trabalho e sou surpreendido com o seguinte probleminha: meu motorista trancou o carro com a chave dentro e, por uma dessas ironias do destino, deixou o motor ligado. Atordoado e diante do sentimento de indignição que me tomou conta, ligo para uma empresa de táxi. Segundo a atendente, "não havia veículo disponível para minha área e não seria possível mandar um táxi de outra área para minha residência" (!!!!). Imagino que se um táxi "invadir" área que não designada para seu veículo, combustão espontânea toma conta do carro e do motorista e ele terá uma audiência com Krishna. Tive que recorrer à boa vontade um colega para ir ao trabalho.

O que mais me impressionou, no entanto, foi minha reação diante do problema: não lancei impropérios impublicáveis ao motorista, não voei no pescoço dele, nem impus setença de auto-flagelação ao retardado.

Simplesmente, disse que queria que o problema fosse resolvido. Com calma, sem gritos.

Problemas corriqueiros na Índia, como marcar com o encanador ao meio-dia e o cara aparecer às nove da noite, mandarem um eletricista para resolver um problema em um colchão, pedir pizza família e receber pequena, ter cortados o telefone e a internet mesmo com a conta paga são perfeitamente aceitáveis. Ora, começar a semana com um probleminha desses é algo normal em Nova Delhi. Quando algo do tipo acontece, a sensação que agora me vem é a mesma que me toma conta quando fura um pneu do carro: não gosto, até xingo, mas também não vou sair dando tiros por aí ou esbofeteando todos a minha frente. Aqui é assim e é inútil querer lutar contra.

Mais uma semana animada começa na Índia!

A Índia, segundo Orlando Gomes, Shakespeare e Zico

Teoria geral do contratos. Tudo bem, estou um pouco, para ficar no eufemismo, enferrujado nos estudo das teorias jurídicas, mas sei que a possibilidade do objeto é determinante para a existência do negócio jurídico. Um contrato firmado entre duas pessoas, em que não haja qualquer outro vício de existência, validade ou eficácia e cujo objeto seja a obrigação de fazer na qual uma das partes tenha que entender a Índia e o que se passa na cabeça dos indianos seria, segundo o art. 166, II do Código Civil, nulo.
Tal objeto seria considerado impossível. Mesmo. Mais fácil um juiz reconhecer validade jurídica em contrato cujo objeto seja a obrigação de realizar os Doze Trabalhos de Hércules do que assegurar o cumprimento da obrigação supracitada.
Depois de quatro meses no subcontinente indiano, não tenho a mínima idéia do que se passa na cabeça do povo, nem consigo conceber este pais, como nação ou Estado. Claro, já me interessei o suficiente pela his†ória local para ler um pouco sobre os tempos passados da Índia. Porém, acho que nem cinco encarnações seguidas por aqui ou comendo toneladas de chapati seriam suficientes para ter noção do que representa esta mistura louca que possui, mais ou menos, 18% da população mundial, em território salpicado de diferentes religiões, etnias, costumes  e cujo entendimento está além do que pode entender nossa “vã psicologia”, como dizia um amigo próximo e querido, mas débil mental muito desligado, cuja alcunha é a mesma do grande craque do Flamengo na década de 80.

Aviso aos navegantes

O presente blog não tem a pretensão de servir como guia turístico ou meio de aprendizado sobre o grande subcontinente indiano, sua história, cultura e povo. O blog  tem o escopo de ser o simples, rasteiro e descompromissado relato da minha passagem por esse país que, pra dizer o mínimo, é surreal.  Aqui, meu dia-a-dia, minhas viagens e impressões serão escritas com a intenção de divulgar e dividir minhas teorias e experiências sobre a Índia.  A quem é dirigido este relato? Aos meus amigos, parentes e a você que, sem ter o que fazer no trabalho, digitou as palavras “Índia” e “cultura inútil” no Google e clicou em “Não estou com sorte”. Se você procura por informações turísticas, vá `a livraria mais próxima e compre o Lonely Planet. Pra saber sobre o povo indiano, histórias e tradições, faça uso do Wikipedia ou tire a poeira da sua velha Enciclopédia Britânica.